Cinco anos e 20 tentativas frustradas de deixar Cuba depois, a
blogueira e dissidente cubana Yoani Sánchez conseguiu no domingo,
finalmente, viajar ao exterior. Num desembarque tumultuado, com protesto
de entidades de solidariedade a Cuba, ela desembarcou na madrugada
desta segunda-feira no Aeroporto dos Guararapes, em Recife.
Cerca
30 ativistas do Forum de Entidades de Solidariedade a Cuba a receberam
no saguão do aeroporto aos gritos de "Fora Yoani", e palavras de ordem
acusando-a de ser agente a serviço dos Estados Unidos.
Manifestantes
abriram faixas que diziam "Segundo a Unicef, existem 146 milhões de
crianças subnutridas no mundo, nenhuma delas cubana" e "Fora Yoani,
agente do serviço dos EUA contra o povo cubano". Um ativista ainda
tentou esfregar dólares em seu rosto. Surpresa e desconcertada, ela se
limitou a dizer:
- Isto é a democracia.
Logo depois Yoani
foi recebida pelo grupo que financiou sua viagem ao nordeste. O cineasta
Dado Galvão a presenteou com uma boneca de cerâmica simbolizando a
força da mulher nordestina.
De Recife a blogueira seguirá para
Salvador. Da capital baixana, a blogueira segue de carro para Feira de
Santana, onde participará da exibição do documentário "Conexão
Cuba-Honduras", do cineasta Dado Galvão.
O Brasil é apenas o
ponto de partida. Yoani, de 37 anos, deve percorrer mais de 12 países
numa viagem de cerca de três meses. Ela escolheu uma saia azul e uma
camisa branca para os voos e chegou ao aeroporto de Havana acompanhada
do marido, o jornalista Reinaldo Escobar, e do filho Teo, de 14 anos.
Até o último minuto, temendo ser parada pelos guardas de imigração, ela
relatou todos os procedimentos, passo a passo, pelo Twitter. E postou
fotos de sua mala, bem marcada pelo logotipo GY, Geração Y, o blog que a
tornou famosa - e enfureceu o regime castrista.
"Consegui passar pelo posto de controle de imigração. Agora só falta embarcar no avião e decolar :-)", escreveu.
A
ativista, que pretende "denunciar com força os limites da reforma
migratória para cubanos que vivem dentro e fora da ilha" e "narrar todos
os direitos que faltam", parecia incrédula.
"Meu nome não soou
nos alto-falantes, não me levaram para uma sala para me despirem ou para
me repreender. Tudo está saindo bem", disse pelo Twitter, contando
ainda que está levando para a turnê o livro "Un viejo viaje" (Uma velha
viagem), de Manuel Pereira.
Seu último post de solo cubano ocorreu por volta das 13h (hora de Brasília):
"A
angústia é um componente inerente a toda viagem a partir de Cuba. Creio
que relaxarei um pouco quando o avião decolar!", contou ela.
'VOLTA AO MUNDO EM 80 DIAS'
Yoani
viveu na Suíça entre 2002 e 2004 e, desde então, não conseguiu mais
deixar Cuba, ainda que tenha sido laureada com vários prêmios
internacionais pelo ativismo na área de direitos humanos. Cuidadosa, fez
questão de deixar claro seu apoio a outros cubanos ainda impedidos de
deixar o país.
A reforma migratória do presidente Raúl Castro
determina que, desde o último 14 de janeiro, para sair do país basta
apenas o passaporte em dia e o visto para o país de destino. Mas certas
restrições foram mantidas - o regime ainda pode, por exemplo, negar o
passaporte a qualquer um por razões de "interesse público", "segurança
nacional" e para profissionais considerados "vitais" para o país, que
necessitam de permissão especial das autoridades.
Ativistas como
Yoani e a líder das Damas de Branco, Berta Soler, conseguiram seus
documentos. Ex-presos políticos libertados nos últimos anos, porém,
tiveram seus passaportes negados.
Yoani assegurou que vai retornar.
-
Isto será como a volta ao mundo em 80 dias - brincou a cubana, no
aeroporto. - Não quero ficar mais porque não gosto de estar por muito
tempo longe da minha família.
A viagem promete polêmicas já no
Brasil. Segundo a revista "Veja", o embaixador de Cuba em Brasília,
Carlos Zamora Rodríguez, teria organizado uma reunião no dia 6 de
fevereiro, com militantes de partidos de esquerda, para montar uma
estratégia para denegrir a imagem de Yoani. Um funcionário da Secretaria
Geral da Presidência teria, ainda, comparecido ao encontro. O senador
Álvaro Dias (PSDB-PR) pretende convocar os ministros Antonio Patriota
(Relações Exteriores) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da
Presidência), para prestar esclarecimentos sobre o caso no Senado. O
governo prometeu investigar.
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